24 jan Criativos, “apesar de você”
XXVII Moitará discute efeitos do regime ditatorial sobre a psique a cultura.
A 27ª edição do Moitará, evento anualmente realizado pela SBPA com o intuito de estudar símbolos da cultura brasileira, teve como tema “1964: Repressão, Medo e Criatividade”. No cinquentenário do golpe militar, o evento abordou a repressão e as manifestações artísticas que emergiram nesse cenário restritivo, que foram recordadas e analisadas por pensadores e representantes do mundo das artes.
Entre os dias 28 e 30 de novembro de 2014, na cidade de Campos do Jordão, SP, o público presente assistiu a 12 palestras, muitas das quais consistiram em depoimentos de pessoas que foram torturadas pelo Estado ou sofreram com a opressão sobre suas famílias e amigos.
Maria Rita Kehl, psicanalista e membro da Comissão da Verdade, recordou como boa parte da classe média brasileira, conservadora como sua própria família era, temia que os comunistas dominassem o Brasil no início dos anos 1960. Ela também relatou como era o estilo de vida dos jovens no seio dessas famílias e na militância da “esquerda pop, que não gostava só das músicas de protesto”. A palestrante ainda assinalou como os festivais de música pós-golpe preparavam, de alguma maneira, uma “virada” – o sertão viraria mar.
Mas a restrição às liberdades no Brasil tornou-se ainda mais pesada no final daquela década, sendo emblemático da violência do regime o Ato Institucional nº5, de 1968. Na visão de José Miguel Wisnik, músico e ensaísta que trabalhou com Kehl na redação do jornal Movimento durante a ditadura, o AI-5 rompeu brutalmente o desejo, expresso na cultura, de um salto político. Segundo ele, “nos anos 1970, o cotidiano passou a ser algo fechado em si mesmo, e a canção tornou-se o lugar da voz da experiência coletiva: ‘Todo dia ela faz tudo sempre igual’”, cantou, recordando o verso de Chico Buarque.
Vera Valente, analista junguiana e historiadora, comentou que, após o AI-5, ela e os amigos aprenderam a falar baixo: “Sentíamos o perigo de pensar contra a ditadura”. Contudo, tendo deixado a casa dos pais para atuar na militância política clandestina, a analista, membro da SBPA, sentiu-se mais livre: “Como era bom me sentir vivendo fora da casta em que fui criada, tão fechada, prepotente, que se via como a única solução possível para o Brasil”.
Ela lembrou como sua família resistiu em reconhecer a violência que se instaurara no País e de como, apesar do medo e da dor pelos amigos presos e torturados, seu grupo não perdia o ânimo. Essa esperança de ver “o jardim florescer” está presente nos versos da canção “Apesar de Você”, do já citado Chico Buarque.
Cid Benjamin, jornalista e escritor que foi torturado, trouxe à baila o sujeito torturador de maneira peculiar. “Descobri, entre os torturadores, pessoas que possivelmente eram bons vizinhos na sociedade. Seria mais simples virar a página e dizer que todos eram monstros”, declarou. O palestrante trouxe como exemplo o médico Amílcar Lobo, que participava de sessões de tortura. Algum tempo depois, ele entrou em angústia e deu informações importantes sobre a tortura, o que o levou a ser duplamente perseguido: pelos militares e pelos militantes de esquerda.
O XXVII Moitará ainda contou com as apresentações de Ana Lia Aufranc, analista junguiana, Éder Chiodetto, fotógrafo e jornalista, Tessa Moura Lacerda, professora de filosofia, Glenda Mezarobba, cientista política, Roberto Gambini, analista junguiano, Adélia Bezerra de Meneses, professora de teoria literária, Celso Fernando Favaretto, professor de filosofia, Bayard Tonelli, ator e bailarino, e de Álvaro Ancona de Faria, analista junguiano, além da performance de Jean Garfunkel, músico.
Membros analistas da SBPA compuseram a comissão organizadora do evento: Fani Kaufman, Lenisa Castello Branco, Maria Beatriz Ferrari Borges, Selma Mantovani, Tito Cavalcanti, Verá Sá e Victor Palomo.