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Imagem e Movimento – O homem perdido nas palavras

Imagem e Movimento – O homem perdido nas palavras

A SBPA teve o privilégio de receber, no dia 09 de março,  o psicoterapeuta Dr. José Ângelo Gaiarsa para a conferência “Imagem e movimento – O homem perdido nas palavras ”. O palestrante apresentou suas mais recentes ideias a respeito da Psicologia pela perspectiva singular que caracteriza seu pensamento, que engloba a interrelação entre a Psicologia, a Fisiologia e a Antropologia. Autor de mais de 30 livros, Gaiarsa é um especialista em comunicação não-verbal, que escolheu como mestres Wilhelm Reich e Carl G. Jung. Sobre Jung, Gaiarsa comenta “Ele me ensinou a acreditar em minhas fantasias, muitas vezes mais reais do que a realidade dita e vivida pelos circunstantes”.

Gaiarsa: muito além das palavras

José Ângelo Gaiarsa, psiquiatra e psicoterapeuta, ministrou a palestra “Imagem e movimento – O homem perdido nas palavras ”  na sede da SBPA (Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica), em São Paulo, no dia 9 de março. O especialista em comunicação não-verbal foi aguardado com expectativa pela audiência do evento, formada não apenas por membros da sociedade, mas estudantes e outros interessados nos ensinamentos do Dr. Gaiarsa, que, sabiamente, aconselhou: “Na psicoterapia, leve a pessoa, pouco a pouco, a falar com a palavra, a voz e a cara”.

Ao apresentar o palestrante, Liliana Liviano Wahba, presidente da SBPA, lembrou que Gaiarsa aplica os conceitos de arquétipos ao sistema psicomotor e que ele havia encontrado em Carl Jung aquele que reconheceu o valor da fantasia e da imagem. Em seguida, Roberto Fernandes, analista pela SBPA, explicou que a ideia de levar Gaiarsa à SBPA surgiu do desejo de estar em contato com o pensamento original de alguém que trilhou um caminho singular.

Esbanjando vitalidade e bom humor durante as duas horas de palestra, Gaiarsa mostrou que conserva ares de menino. Ao introduzir seu pensamento, explicou que possui dois “santos”, opostos que se complementam na mesma finalidade. O primeiro é Shiva, que dança eternamente a criação e a destruição de todas as coisas com sua dama. O segundo é o iogue, que “busca o mais fino equilíbrio, sem fazer força nenhuma; que busca estar no centro de todas as coisas, sem se identificar com nenhuma delas”. O palestrante sintetiza: “Enquanto um experimenta a infinita variedade de movimentos do corpo, o outro experimenta a infinita dificuldade de permanecer imóvel”.

Ele explica que nosso cérebro é organizado fundamentalmente no sistema visão-movimento, e que isso garante a sobrevivência das espécies.

Gaiarsa recorda que Freud constatou que o ego controla a motricidade e explica que, na pessoa que dorme, enquanto não sonha, ocorre o máximo de relaxamento dos músculos (hipotonia). “Cadê o eu nessa hora?”, provoca o professor. “Onde não há movimento, não há eu!”

Espiritualidade materializada – “Adoro a materialização da espiritualidade”, diz, num sorriso, Gaiarsa, que destrincha o mecanismo que produz os sonhos: “O que determina a presença de sonhos? É a termorregulação”. Ele detalha que o tecido que mais produz calor é o músculo, quando trabalha. Quando dormimos, o corpo se esfria e os esquemas motores se refazem para produzir calor. “Quando se compõem essas tensões para aquecer, o aparelho motor visual produz imagens. Nosso olhar olha para fora, mas olha, também, para dentro. Os olhos vão compor a cena que concorda com essas atitudes.”

Ele afirma que o sonho diz muito da pessoa e que os músculos que funcionam à noite são os que habitualmente funcionam em nós: “Eu reprimo, contraindo-me. Vem a ação, ou o desejo, e eu passo à ‘contra-ação’. Eu tranco o movimento, mas usando o mesmo músculo que o desejo iria usar. É isso que o sono retrata: os seus breques”. Os esquemas motores são a ação do drama que a visão cria em cima dos movimentos.

Ao amanhecer, as tensões corporais vão recompondo o ego, a partir da respiração, que não parou durante o sono. Todos os músculos da respiração são estriados, isto é, potencialmente voluntários. “A respiração é a única função biológica sob o controle do ego e o primeiro ato de independência absoluta da criança ao nascer”, destaca o psiquiatra.

Acordar espontaneamente e tranquilamente é um renascer autêntico. “Se sonhei bem, assimilei um pouco a experiência de ontem e a esperança é que hoje seja um pouquinho diferente.”

Ainda assim, “o homem freudiano não tem tórax”, diz Gaiarsa. “É um aparelho digestivo com órgãos sexuais. Fase oral, fase anal, fase genital: é uma imagem mesquinhíssima! Eu não sei como o homem sem tórax fala, uma vez que a psicanálise está baseada inteirinha no diálogo”.

Ele sintetiza o objetivo da análise freudiana: levar o indivíduo a sentir todo o medo que sente. “Para mim, ansiedade e medo são a mesma coisa. Onde está a ansiedade? No tórax. Então, não sei de que ansiedade Freud fala”.

Imobilidade na angústia – Quando angustiados, entramos em uma espécie de imobilidade: baixa o nível respiratório e a redução de oxigênio no cérebro leva à diminuição da capacidade de coordenação. “O cérebro perde o piloto, então entra em pânico, não sabe o que está fazendo”.

Ironicamente, a pessoa em angústia tende a entrar num círculo vicioso: fica aflita, baixa a respiração, começa a falar para aliviar, mas, com isso, restringe mais a respiração. “Quando falo, eternizo a ansiedade”, constata Gaiarsa. “Mas a primeira coisa que a pessoa faz, quando começa a sufocar, é pegar o celular e conversar com alguém. É a rede universal de solidariedade na ansiedade. Nosso mundo é louco, é para todo mundo ficar com medo! Mas não para disfarçar.”

Palavras sobrevalorizadas até na psicoterapia – “Nós superestimamos as palavras. Para ele, a palavra serve à nossa comunicação em condições muito estreitas. “Com que tom de voz? Com que cara? Qual era a atitude? Ele fez algum gesto? Você estava interessado no que ele dizia? Ele estava interessado no que ele dizia?” Essas perguntas traduzem fatores esquecidos na comunicação e que determinam o significado único de cada palavra emitida.

Assim, maktub, que significa “está escrito” no idioma árabe, não tem validade para Gaiarsa: “Se está escrito, precisa ser interpretado”. Ele continua: “Praticamente qualquer palavra dita é dita por um personagem. Se você não desconfiar da cena e do cenário, não vai entendê-lo”.

Esse personagem começou a ganhar complexidade, quando o homem se pôs ereto: a nova posição da laringe permitiu que sons mais variados fossem emitidos, os braços deixaram de ser patas, as mãos foram refinadas e a postura permitiu que nós passássemos a ver tudo o que o outro exprime, sem falar que o homem passou a caminhar e a ganhar o mundo e um alto desenvolvimento cerebral.

A musculatura da face é muito rica e um número incalculável de desentendimentos humanos acontece, porque a face não expressa o que está sendo dito. “Na psicoterapia, leve a pessoa, pouco a pouco, a falar com a palavra, a voz e a cara. Ali, ela está inteira”, ressalta. Ele afirma que, para que nos entendamos com alguém, precisamos olhar para ele. Daí porque, no encantamento amoroso, ocorre o ápice criativo. Os apaixonados se olham mutuamente. E falam pouco.

O sexto sentido – Para Gaiarsa, o sexto sentido é o que nos dá consciência da posição em que está nosso corpo e dos movimentos que ele realiza. É a propriocepção. O cérebro sabe, a cada instante, o que estamos fazendo. Não obstante, a maior inconsciência do mundo é a inconsciência do próprio corpo.

Para piorar, “temos a maldição satânica do contato corporal”. Até as mães adotam gestos estereotipados em relação aos bebês, o que não favorece a consciência corporal da criança. O palestrante nota que a intensificação da procura por massagens e por técnicas de respiração denota a busca por consciência corporal.

A pele é o limite do eu. “Tudo o que toca a pele me toca. Se não toca a pele, não me toca”, diz Gaiarsa. Para ele, a pessoa que não conhece a própria pele, que é o limite natural do ego, não tem a noção de limite da personalidade.

A complexidade dos movimentos – Temos cerca de 500 músculos no corpo, que não funcionam por inteiro sempre que funcionam. Nosso corpo trabalha com unidades motoras, constituídas de um neurônio motor, cujo axônio se liga a um pequeno feixe de fibras musculares controladas por esse neurônio motor. “Temos, assim, neurônios motores como minimúsculos. Eles são, estimativamente, 300 mil”, explica o psiquiatra.

“Cada neurônio pode ter de zero a mil excitações por segundo, mas o músculo só responde a 50. Multiplique 300 mil por 50 e chegará a 1,5 milhão de vetores movendo o nosso corpo.

Temos um mundo infinito de movimentos. “É por isso que os hindus falam de Shiva. E é por isso que digo que todos somos aleijados graves”, observa Gaiarsa. Segundo ele, não usamos nem 10% dessa possibilidade de movimentação e as mulheres se saem melhor do que os homens nesse quesito, com destaque para as bailarinas árabes e as baianas, que desempenham movimentos rotativos e ondulantes, que funcionam com os microvetores de curvas e não de ângulos, típicos dos machos.

A mulher tem que ser macia e suave, porque dá à luz e o recém-nascido é muito delicado, tem de ser tratado com mãos macias para não morrer. “Essa capacidade de abrandar a aspereza da movimentação masculina é o que mais atrai os homens. O macho é exibido, competitivo e pornográfico – uma triste figura.”

O homem acaba, a mulher não – Gaiarsa lembra a audiência de que os tântricos afirmavam, há cinco milhões de anos, que a mulher era a deusa da natureza, porque gesta, pare, cuida de alguém por anos a fio. Além disso, a mulher não tem ejaculação; então, não tem um fim. “Se você quer ser como a deusa, capaz de um orgasmo tão cumprido quanto você quiser, você tem que aprender com ela”, aconselha aos homens presentes. “Seria bom se os homens pudessem esticar as coisas, enfeitar as coisas, para ter mais prazer. Um estado orgástico permanente, enquanto você quisesse. Claro que isso é o limite do limite, mas é uma possibilidade. E mais: prazer para o corpo inteiro, não apenas para os genitais.”

“Antes, eu achava que o pênis era meu, acabei descobrindo que eu sou do pênis”, constata Gaiarsa. Para ele, o homem existe em torno do pênis – e a mulher, da vagina – e os dois existem em torno do DNA, que é o deus da natureza.

Imagens, imitação e inconsciente – Gaiarsa explica que, quando imaginamos um movimento, as regiões cerebrais de movimento se ativam antes da efetiva execução desse movimento. “Imaginar com clareza é quase igual a fazer, daí os métodos de visualização da terapia.”As mandalas são imagens superssimétricas, que simbolizam a igualdade de forças, equivalente ao caso do iogue, que se mantém imóvel, não atraído a lugar nenhum, a nenhuma direção. “Se sou atraído, todo o aparelho motor se deforma. Eu fico muito capaz disso e perco toda a minha outra capacidade”, descreve o psicoterapeuta.

Gaiarsa ensina que, aos seis meses de idade, já identificamos pessoas e expressões. Se o cérebro é viso-motor, ele é feito para imitar. Do nascimento aos seis anos, o cérebro vai entrando em conformidade com o ambiente em que vive. “A riqueza do aparelho motor nos permite um número ilimitado de identificações. Você pode ter coisas de 10, 20, 30 pessoas, que vão sendo integradas aos seus movimentos. Imitar é o melhor jeito de compreender.”

Ao finalizar sua apresentação, Gaiarsa reforça que as pessoas têm uma inconsciência gigantesca sobre os movimentos do corpo, o que leva ao automatismo. “O inconsciente é praticamente a motricidade, que faz tudo e ninguém percebe. Você está operando 300 mil unidades motoras e não sabe. Isso é o inconsciente”, arremata.

Colaboração de Alexandra Delfino de Sousa, diretora da Palavra Mestra. Revisão: Roberto Rosas Fernandes, analista junguiano.